sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

CAPÍTULO 6 - O GATO... RAW

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

O GATO... RAW!




Narcisismo: Mais popularmente conhecido como "Complexo de Dora", descreve a característica de personalidade de paixão por si mesmo.A palavra é derivada da Mitologia Grega. Narciso era um jovem e belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado de forma a apaixonar-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Incapaz de levar a termos sua paixão, Narciso cometeu suicídio por afogamento.

Quando Alice Maravilha acordou naquela interminável sexta-feira 13, e coincidentemente seu aniversário,  não imaginava que estaria tomando chá com seu ídolo da adolescência. Três foram as vezes que derramou o chá em seu vestido lilás e definitivamente não conseguia engolir aquela bebida, não com aqueles olhos verdes e hipnotizantes em sua frente.
              Toda a situação anterior já estava resolvida, mas obviamente o constrangimento ainda pairava no ar. Laraxita, a verdadeira babá do Gato, que em nada lembrava Alice, era uma colombiana dotada de uma beleza peculiar, temperamento explosivo e seios imensos. Era alguém que provavelmente amedrontava o patrão, talvez seja esta a razão por ainda não ter sido demitida. Sem paciência nenhuma, e bradando uns xingamentos em sua língua nativa, a babá juntou os três bichinhos virtuais, ou melhor, os três filhos do patrão, e os atirou na lixeira mais próxima.
               Alice parecia mais calma e controlada, havia levado uns comprimidos de maracujá e sentia-se aliviada por todo ocorrido anterior ter sido um mero mal-entendido, ou seja, não terminaria o resto da vida na cadeia raspando a cabeça de sua futura esposa tatuada.
           — Me fale sobre a sua saúde — completamente canastrona, Alice tentava aparentar profissionalismo, no entanto era impossível ter algum tipo de respeito por uma criatura que circulava utilizando uma bolsa em formato de morango.
            — Jamais fiquei doente, minha saúde é perfeita... Tudo em mim é perfeito! — respondeu o Gato, enquanto procurava seu reflexo nos olhos da repórter.
— Mas... Mas... Eu olhei o seu lixo e estava cheio de lenço de papel, achei que estivesse resfriado...
— São da babá! Laraxita pegou uma gripe fortíssima.
Muito bem feito, a pessoa se propôs a vasculhar o lixo alheio, mereceu mesmo esse tipo de revés na vida. Não pensem que sou contra Alice, mas chega um momento que não dá pra defender.
A cara de nojo de Alice ao se livrar dos lenços furtados eram dignas de um quadro. Tentou mudar de assunto. O Gato fazia tipo, transparecia indiferença. Sua vida não havia mudado após o fim da banda Flop4; Não parecia ter envelhecido, ou amadurecido. Era um artista em processo. Tentou fazer novela, mas após uma briga com o diretor, seu personagem morreu pisoteados por hippies militantes numa causa estranhíssima: o casamento entre homens e cabras. Obviamente ele culpava os críticos por não compreenderem sua interpretação robótica, fruto de meses de treinamento em lojas de brinquedos especializados; Sua segunda aposta foi no ramo do Reality Show, porém ninguém se interessou num programa chamado “Me olhe e me inveje”, onde o Gato seria observado por 24 horas e no final receberia o prêmio de 5 milhões; Quando já beirava a miséria, chegou a ser sondado pelo maravilhoso mundo mágico da pornografia, mas não estava tão desesperado assim. Hoje em dia o Gato se mantém fazendo presenças em eventos ou atacando de DJ.
— E quanto a Flop4, tem contato com os outros integrantes da banda? — perguntou Alice, na primeira pergunta que realmente não sabia a resposta.
— Não falo sobre a Flop4!
— Por quê? Eram ótimos juntos. — Sentiu que aquela era a hora de colocar seu plano em ação. Conhecia bem aquele homem, seu principal defeito era ego... O dele e de muitos outras pessoas que conheço. — Soube que estão pensando em voltar como um trio...
— O que? Não falaram comigo! — Gato já havia se levantado e andava de um lado para o outro. — Jamais farão sucesso sem mim, sou a alma do grupo, o belo, a estrela!
— Eu também acho e até tentei argumentar com eles, mas pareciam decididos a voltar sem você. — Alice ligou seu gravador. — Então, qual o seu desejo?
— Eu... Eu quero voltar para Flop4!
Parabéns! Conseguiu sua matéria de capa!
Não muito satisfeita continuou a gravar.
— Só uma dúvida... Porque era pai de bichinhos virtuais? Nunca pensou em ter filhos? Veja bem, não me entenda mal, mas você é lindo, mora numa casa enorme... Imagina como seriam lindas as suas crianças.
— A verdade é que nunca encontrei uma mulher que fosse merecedora... Do meu... Do meu corpo...
Alice jurou para si mesma que controlaria a língua elétrica, mas isso era impossível. Era mais fácil sair voando pela casa. Quando viu, já tinha perguntado.
— Está me dizendo que você é... Virgem?
— Oi? — Lágrimas nervosas brotaram dos olhos do Gato.
Ela achou aquilo tudo muito fofo. Jogou a bolsa de morango para um lado, o gravador para o outro e, por fim, jogou seu corpo roliço para cima do ídolo.
Estava disposta a ajudar.
Alice, acima de tudo, sabia ser muito prestativa.     

AINDA ESTOU CHOCADO... MAS CONTINUA... 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

CAPÍTULO 5 - PÂNICO!

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

PÂNICO!




Cleptomaníaca: Pessoa que padece de cleptomania, que é um impulso mórbido que o leva a furtar coisas sem valor, apenas para satisfazer o "desejo".

        Uma Pessoa normal manteria a calma e esperaria tudo se resolver de forma civilizada. Uma pessoa como Alice Maravilha preferia agir como culpada, correndo, ofegante, em direção à porta, gritando por advogados e pensando para quem seria o telefonema que daria após ser presa, já que era sozinha no mundo.
            Dizem que em situações de perigo o ser humano desenvolve alguns talentos antes desconhecidos, isso explicaria aquela maçaneta quebrada em sua mão. Agora estava trancada e o que a consolava era que sua força recém-descoberta poderia ser útil quando estivesse na cadeia.
            — Então esse será o meu fim? Vou terminar meus dias na prisão, cercada por presidiárias com taras estranhas? — começou a chorar compulsivamente e jurou que nunca mais pegaria nada de ninguém, mesmo sabendo que não era verdade, uma vez que já estava tentada com uma toalhinha perdida atrás do sofá.
            Não sei bem como se daria a vida de Alice na prisão, talvez um pouco mais movimentada que a atual situação. Seria sortuda se conseguisse o coração de alguma das tais presidiárias com taras estranhas, viraria a princesinha da cela, quem sabe até se tornasse a Primeira Dama do presídio? Bem vantajoso para quem nunca namorou, ascensão na carreira.
            Uma sirene de polícia ecoou por toda casa... Espere, como assim dentro da casa? Aquilo não era uma sirene, era um grito agudo e irritante!
            —Polícia? Eu não roubei nada! — mentiu, após surripiar mais uma fotografia e dois bibelôs da estante. Escondeu-se atrás das cortinas, formando um calombo na parede.
            — Socorro! Socorro! Socorro! Onde está? Apareça ou eu morro! — Um homem alto e histérico gritava pela sala.
            — Por favor, não me prenda, hoje é meu aniversário e não quero ser presenteada com uma noiva careca e fã da Ana Carolina! — Pode parecer deboche, mas Alice estava toda trabalhada nas lágrimas. Abriu os olhos e ficou pensativa. Queria entender a razão de terem mudado o uniforme da polícia.
            O homem usava um pijama e era azul bebê. O homem tinha cheiro de bebê! O suposto guarda tinha o rosto pintado de verde abacate, seria camuflagem? Mas qual o motivo das pantufas?
            Ela encarou o guarda. O guarda a encarou.
            Finalmente a ficha caiu.
            Era o Gato!
            Sentiu-se como Chapeuzinho Vermelho na frente do Lobo vestido de Vovozinha. Onde estava o sorriso lindo? Que toca bizarra era aquela? Aquilo era outro sonho? Ou será pesadelo?
            — Onde eles estão?  — perguntou o ídolo.
            — No lixo! — respondeu a fã.
            — No lixo? Aqui só tem papel sujo, mas que brincadeira é essa, babá?
            — Oi?
            Alice não entendeu nada e, sem nenhum argumento, preferiu consolar o insano cantor decadente que, por sua vez, já havia perdido a compostura. Tomado por total descontrole, o artista ameaçou se jogar pela janela.
            Tudo já havia chegado ao seu limite. Alice agarrou o Gato pelo braço, chacoalhou-lhe pelos ombros e deu-lhe umas cinco bofetadas.
            — Onde estão meus bebês? — choramingou o Gato.
            — Você nunca teve filhos!
            — Não teria sentido contratar a senhora como babá se não tivesse filhos!  
            — Sei tudo sobre a sua vida. Minha adolescência se resume em doces, pornografias e revistas com você na capa!
            Alice era realmente uma esquisita e merecia todos os dramas que a vida lhe presenteava.
            De certa forma o cantor gostou de saber que ainda tinha uma fã. Por alguns segundos sorriu, mas a aparência ainda estava grotesca.
            — Gosta mesmo de mim? Que sorte ter uma babá como você!
            — Eu não sou babá! Sou Alice...      
            — Uma ladra?
            Os alarmes voltaram a berrar e os dois se abraçaram assustados.
            — Eu sou jornalista, vim pra fazer uma entrevista com você. Sou da revista No Fundo do Poço!
            A palavra “jornalista” surtiu um efeito assustador naquele homem, ele correu escada acima como se fugisse de um assassino de filme de terror, era muito narcisista para ser visto pela imprensa naqueles trajes.
            — Volte aqui! Você está lindo... — Os berros foram em vão. A jornalista só voltou a ver o homem uma hora depois, todo montado e lindo de morrer.     
            Enfim, com a serenidade de um idoso oriental, Gato explicou que seus bebês, sua companhia e família, nada mais eram que três bichinhos virtuais, curiosamente chamados de: Lindo, Absoluto e Demais.
            Alice quase caiu desmaiada.


CONTINUA

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

CAPÍTULO 4 - UM MUNDO PERFEITO?

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

UM MUNDO PERFEITO?



Baixa Autoestima: A baixa auto-estima é caracterizada por uma percepção negativa de si mesmo. Pode ser expressa por crenças como ?eu sou um fracasso?, ?eu não sirvo para nada? ou por uma sensação de incapacidade ou menos valia que é muito difícil de a pessoa conseguir traduzir para si e para os outros.

          Sabe quando você acorda de bom humor e tudo fica magicamente lindo? Bem, eu sei, você sabe, mas há bastante tempo que Alice não se lembrava como era essa sensação.
            — Jamais imaginei que um dia estaria na casa do Gato. Tudo é tão lindo, que me sinto feia... — Alice foi entrando sem ao menos alguém abrir a porta, não comandava mais suas atitudes, apenas seguia ordem da adolescente fanática e diabólica recém-liberada de seu interior.
            — Paradinha aí querida! — disse uma voz suave e assexuada.
            — Aonde você pensa que vai? — Uma segunda voz, agora mais grave.
            — Mas que desastre é esse que meus olhos estão vendo? Queria estar morta! — A terceira, e última voz, era totalmente feminina.
            — Quem são vocês? — Alice fez a mais óbvia das perguntas, mas não havia mais o que perguntar.
            — Me chamo Lindo!
            — Eu sou Absoluto!
            — E eu Demais!
            Alice perdeu o dom da fala. Aquele trio causava uma mistura de medo e escárnio, cada palavra tinha sua própria coreografia, cada olhar possuía uma pose de modelo internacional. Aquilo não podia ser sério.
            — Muito prazer, eu sou Alice Maravilha, colunista da conceituada revista “No Fundo do Poço”. Tenho uma entrevista marcada com o Gato e não posso perder tempo com vocês.
            — Fofinha, isso é impossível. O Gato não recebe pessoas com problemas de baixa autoestima! — respondeu o Lindo que era só crueldade. — Essa roupa você pegou emprestada com o elenco de Barrados no Baile?       
            — Alice Maravilha? — debochou Demais — Obrigada Deus por este dia! Queridinha, me diga, onde está escondida a sua maravilha?
            Alice baixou os olhos, estava se sentindo uma ridícula, mas no fundo achava aquele trio infinitamente pior. Olhou para Absoluto, o único que não tinha se manifestado, o rapaz tinha a expressão de uma porta, era indecifrável.
            — E você? Não tem nada pra me dizer? — desafiou Alice.
            — Você é uma feia. — respondeu Absoluto.
            — Eu não sou feia... Só tenho uma beleza diferente...
            — Que bonitinho, eu acredito em você... E você? Acredita em você? — desafiou Absoluto.
            — Se quer mesmo falar com o Gato, precisa fazer jus ao seu nome. É de seu interesse ficar um pouco mais confiante, bonita? — perguntou Demais. O que Alice podia fazer? Queria ser aceita e, portanto, aceitou.
            Fechou os olhos.
            Luzes de gelatina, cheiro de chiclete de morango, pipocas coloridas explodiam. A sala era uma pista de dança. Coelhos dançarinos flutuavam ao som de uma música envolvente.
            Era tudo lindo e ela já se sentia linda também.
            De repente, uma fileira de espelhos surgiu em sua frente. Todos com formatos diferentes e aroma de hortelã. Cada espelho refletia uma nova Alice. Alice linda. Alice magra. Alta. Loira. Negra. Homem... Homem? Seu “Eu” masculino era interessantíssimo. Tinha olhos expressivos e sorriso angelical. Ela já estava apaixonada. Apaixonada e confusa, afinal de contas estava amando seu próprio Eu! Aquilo era se amar? Sim... Ela se amava.
            — EU ME AMO! — gritou uma jornalista louca e hipnotizada, no meio de uma rua movimentada. Quanto tempo estava parada ali, namorando a casa de um artista decadente? Não fazia ideia. Já era a segunda vez no mesmo dia que tinha sonhos lúdicos e esse clichê já a estava preocupando.
            Envergonhada, descontrolada e, até mesmo, um pouco assanhada, correu em direção a casa e tocou a campainha.
          Não foi recebida por coelhinhos extravagantes, mas sim por uma governanta idosa e simpática. A casa também não tinha pipocas, gelatinas ou gatões saindo de espelhos, não que isso significasse ser aquela uma residência normal. Todas as paredes eram estampadas com fotos do antigo cantor. Alice tudo fotografava, tudo tocava, tudo queria.
            A governanta saiu em busca de um café para a visitante, ou seja, uma fanática incontrolável estava sozinha na sala de seu ídolo.
            — Preciso me controlar. — Sentou-se no cafona sofá de couro, cruzou os braços e as pernas. O coração disparava a ponto de sufocá-la. — O que será que tem no lixo do Gato? — Sem nenhum nojo, ou mesmo bom senso, passou a revirar a lata de lixo. — Quanto lenço de papel... Será que o Gato está resfriado? Coitadinho... — E muito animada guardou aquele lenço nojento no bolso do vestido.
            Um alarme disparou.


ÓBVIO QUE CONTINUA