sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

CAPÍTULO 6 - O GATO... RAW

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

O GATO... RAW!




Narcisismo: Mais popularmente conhecido como "Complexo de Dora", descreve a característica de personalidade de paixão por si mesmo.A palavra é derivada da Mitologia Grega. Narciso era um jovem e belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado de forma a apaixonar-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Incapaz de levar a termos sua paixão, Narciso cometeu suicídio por afogamento.

Quando Alice Maravilha acordou naquela interminável sexta-feira 13, e coincidentemente seu aniversário,  não imaginava que estaria tomando chá com seu ídolo da adolescência. Três foram as vezes que derramou o chá em seu vestido lilás e definitivamente não conseguia engolir aquela bebida, não com aqueles olhos verdes e hipnotizantes em sua frente.
              Toda a situação anterior já estava resolvida, mas obviamente o constrangimento ainda pairava no ar. Laraxita, a verdadeira babá do Gato, que em nada lembrava Alice, era uma colombiana dotada de uma beleza peculiar, temperamento explosivo e seios imensos. Era alguém que provavelmente amedrontava o patrão, talvez seja esta a razão por ainda não ter sido demitida. Sem paciência nenhuma, e bradando uns xingamentos em sua língua nativa, a babá juntou os três bichinhos virtuais, ou melhor, os três filhos do patrão, e os atirou na lixeira mais próxima.
               Alice parecia mais calma e controlada, havia levado uns comprimidos de maracujá e sentia-se aliviada por todo ocorrido anterior ter sido um mero mal-entendido, ou seja, não terminaria o resto da vida na cadeia raspando a cabeça de sua futura esposa tatuada.
           — Me fale sobre a sua saúde — completamente canastrona, Alice tentava aparentar profissionalismo, no entanto era impossível ter algum tipo de respeito por uma criatura que circulava utilizando uma bolsa em formato de morango.
            — Jamais fiquei doente, minha saúde é perfeita... Tudo em mim é perfeito! — respondeu o Gato, enquanto procurava seu reflexo nos olhos da repórter.
— Mas... Mas... Eu olhei o seu lixo e estava cheio de lenço de papel, achei que estivesse resfriado...
— São da babá! Laraxita pegou uma gripe fortíssima.
Muito bem feito, a pessoa se propôs a vasculhar o lixo alheio, mereceu mesmo esse tipo de revés na vida. Não pensem que sou contra Alice, mas chega um momento que não dá pra defender.
A cara de nojo de Alice ao se livrar dos lenços furtados eram dignas de um quadro. Tentou mudar de assunto. O Gato fazia tipo, transparecia indiferença. Sua vida não havia mudado após o fim da banda Flop4; Não parecia ter envelhecido, ou amadurecido. Era um artista em processo. Tentou fazer novela, mas após uma briga com o diretor, seu personagem morreu pisoteados por hippies militantes numa causa estranhíssima: o casamento entre homens e cabras. Obviamente ele culpava os críticos por não compreenderem sua interpretação robótica, fruto de meses de treinamento em lojas de brinquedos especializados; Sua segunda aposta foi no ramo do Reality Show, porém ninguém se interessou num programa chamado “Me olhe e me inveje”, onde o Gato seria observado por 24 horas e no final receberia o prêmio de 5 milhões; Quando já beirava a miséria, chegou a ser sondado pelo maravilhoso mundo mágico da pornografia, mas não estava tão desesperado assim. Hoje em dia o Gato se mantém fazendo presenças em eventos ou atacando de DJ.
— E quanto a Flop4, tem contato com os outros integrantes da banda? — perguntou Alice, na primeira pergunta que realmente não sabia a resposta.
— Não falo sobre a Flop4!
— Por quê? Eram ótimos juntos. — Sentiu que aquela era a hora de colocar seu plano em ação. Conhecia bem aquele homem, seu principal defeito era ego... O dele e de muitos outras pessoas que conheço. — Soube que estão pensando em voltar como um trio...
— O que? Não falaram comigo! — Gato já havia se levantado e andava de um lado para o outro. — Jamais farão sucesso sem mim, sou a alma do grupo, o belo, a estrela!
— Eu também acho e até tentei argumentar com eles, mas pareciam decididos a voltar sem você. — Alice ligou seu gravador. — Então, qual o seu desejo?
— Eu... Eu quero voltar para Flop4!
Parabéns! Conseguiu sua matéria de capa!
Não muito satisfeita continuou a gravar.
— Só uma dúvida... Porque era pai de bichinhos virtuais? Nunca pensou em ter filhos? Veja bem, não me entenda mal, mas você é lindo, mora numa casa enorme... Imagina como seriam lindas as suas crianças.
— A verdade é que nunca encontrei uma mulher que fosse merecedora... Do meu... Do meu corpo...
Alice jurou para si mesma que controlaria a língua elétrica, mas isso era impossível. Era mais fácil sair voando pela casa. Quando viu, já tinha perguntado.
— Está me dizendo que você é... Virgem?
— Oi? — Lágrimas nervosas brotaram dos olhos do Gato.
Ela achou aquilo tudo muito fofo. Jogou a bolsa de morango para um lado, o gravador para o outro e, por fim, jogou seu corpo roliço para cima do ídolo.
Estava disposta a ajudar.
Alice, acima de tudo, sabia ser muito prestativa.     

AINDA ESTOU CHOCADO... MAS CONTINUA... 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

CAPÍTULO 5 - PÂNICO!

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

PÂNICO!




Cleptomaníaca: Pessoa que padece de cleptomania, que é um impulso mórbido que o leva a furtar coisas sem valor, apenas para satisfazer o "desejo".

        Uma Pessoa normal manteria a calma e esperaria tudo se resolver de forma civilizada. Uma pessoa como Alice Maravilha preferia agir como culpada, correndo, ofegante, em direção à porta, gritando por advogados e pensando para quem seria o telefonema que daria após ser presa, já que era sozinha no mundo.
            Dizem que em situações de perigo o ser humano desenvolve alguns talentos antes desconhecidos, isso explicaria aquela maçaneta quebrada em sua mão. Agora estava trancada e o que a consolava era que sua força recém-descoberta poderia ser útil quando estivesse na cadeia.
            — Então esse será o meu fim? Vou terminar meus dias na prisão, cercada por presidiárias com taras estranhas? — começou a chorar compulsivamente e jurou que nunca mais pegaria nada de ninguém, mesmo sabendo que não era verdade, uma vez que já estava tentada com uma toalhinha perdida atrás do sofá.
            Não sei bem como se daria a vida de Alice na prisão, talvez um pouco mais movimentada que a atual situação. Seria sortuda se conseguisse o coração de alguma das tais presidiárias com taras estranhas, viraria a princesinha da cela, quem sabe até se tornasse a Primeira Dama do presídio? Bem vantajoso para quem nunca namorou, ascensão na carreira.
            Uma sirene de polícia ecoou por toda casa... Espere, como assim dentro da casa? Aquilo não era uma sirene, era um grito agudo e irritante!
            —Polícia? Eu não roubei nada! — mentiu, após surripiar mais uma fotografia e dois bibelôs da estante. Escondeu-se atrás das cortinas, formando um calombo na parede.
            — Socorro! Socorro! Socorro! Onde está? Apareça ou eu morro! — Um homem alto e histérico gritava pela sala.
            — Por favor, não me prenda, hoje é meu aniversário e não quero ser presenteada com uma noiva careca e fã da Ana Carolina! — Pode parecer deboche, mas Alice estava toda trabalhada nas lágrimas. Abriu os olhos e ficou pensativa. Queria entender a razão de terem mudado o uniforme da polícia.
            O homem usava um pijama e era azul bebê. O homem tinha cheiro de bebê! O suposto guarda tinha o rosto pintado de verde abacate, seria camuflagem? Mas qual o motivo das pantufas?
            Ela encarou o guarda. O guarda a encarou.
            Finalmente a ficha caiu.
            Era o Gato!
            Sentiu-se como Chapeuzinho Vermelho na frente do Lobo vestido de Vovozinha. Onde estava o sorriso lindo? Que toca bizarra era aquela? Aquilo era outro sonho? Ou será pesadelo?
            — Onde eles estão?  — perguntou o ídolo.
            — No lixo! — respondeu a fã.
            — No lixo? Aqui só tem papel sujo, mas que brincadeira é essa, babá?
            — Oi?
            Alice não entendeu nada e, sem nenhum argumento, preferiu consolar o insano cantor decadente que, por sua vez, já havia perdido a compostura. Tomado por total descontrole, o artista ameaçou se jogar pela janela.
            Tudo já havia chegado ao seu limite. Alice agarrou o Gato pelo braço, chacoalhou-lhe pelos ombros e deu-lhe umas cinco bofetadas.
            — Onde estão meus bebês? — choramingou o Gato.
            — Você nunca teve filhos!
            — Não teria sentido contratar a senhora como babá se não tivesse filhos!  
            — Sei tudo sobre a sua vida. Minha adolescência se resume em doces, pornografias e revistas com você na capa!
            Alice era realmente uma esquisita e merecia todos os dramas que a vida lhe presenteava.
            De certa forma o cantor gostou de saber que ainda tinha uma fã. Por alguns segundos sorriu, mas a aparência ainda estava grotesca.
            — Gosta mesmo de mim? Que sorte ter uma babá como você!
            — Eu não sou babá! Sou Alice...      
            — Uma ladra?
            Os alarmes voltaram a berrar e os dois se abraçaram assustados.
            — Eu sou jornalista, vim pra fazer uma entrevista com você. Sou da revista No Fundo do Poço!
            A palavra “jornalista” surtiu um efeito assustador naquele homem, ele correu escada acima como se fugisse de um assassino de filme de terror, era muito narcisista para ser visto pela imprensa naqueles trajes.
            — Volte aqui! Você está lindo... — Os berros foram em vão. A jornalista só voltou a ver o homem uma hora depois, todo montado e lindo de morrer.     
            Enfim, com a serenidade de um idoso oriental, Gato explicou que seus bebês, sua companhia e família, nada mais eram que três bichinhos virtuais, curiosamente chamados de: Lindo, Absoluto e Demais.
            Alice quase caiu desmaiada.


CONTINUA

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

CAPÍTULO 4 - UM MUNDO PERFEITO?

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

UM MUNDO PERFEITO?



Baixa Autoestima: A baixa auto-estima é caracterizada por uma percepção negativa de si mesmo. Pode ser expressa por crenças como ?eu sou um fracasso?, ?eu não sirvo para nada? ou por uma sensação de incapacidade ou menos valia que é muito difícil de a pessoa conseguir traduzir para si e para os outros.

          Sabe quando você acorda de bom humor e tudo fica magicamente lindo? Bem, eu sei, você sabe, mas há bastante tempo que Alice não se lembrava como era essa sensação.
            — Jamais imaginei que um dia estaria na casa do Gato. Tudo é tão lindo, que me sinto feia... — Alice foi entrando sem ao menos alguém abrir a porta, não comandava mais suas atitudes, apenas seguia ordem da adolescente fanática e diabólica recém-liberada de seu interior.
            — Paradinha aí querida! — disse uma voz suave e assexuada.
            — Aonde você pensa que vai? — Uma segunda voz, agora mais grave.
            — Mas que desastre é esse que meus olhos estão vendo? Queria estar morta! — A terceira, e última voz, era totalmente feminina.
            — Quem são vocês? — Alice fez a mais óbvia das perguntas, mas não havia mais o que perguntar.
            — Me chamo Lindo!
            — Eu sou Absoluto!
            — E eu Demais!
            Alice perdeu o dom da fala. Aquele trio causava uma mistura de medo e escárnio, cada palavra tinha sua própria coreografia, cada olhar possuía uma pose de modelo internacional. Aquilo não podia ser sério.
            — Muito prazer, eu sou Alice Maravilha, colunista da conceituada revista “No Fundo do Poço”. Tenho uma entrevista marcada com o Gato e não posso perder tempo com vocês.
            — Fofinha, isso é impossível. O Gato não recebe pessoas com problemas de baixa autoestima! — respondeu o Lindo que era só crueldade. — Essa roupa você pegou emprestada com o elenco de Barrados no Baile?       
            — Alice Maravilha? — debochou Demais — Obrigada Deus por este dia! Queridinha, me diga, onde está escondida a sua maravilha?
            Alice baixou os olhos, estava se sentindo uma ridícula, mas no fundo achava aquele trio infinitamente pior. Olhou para Absoluto, o único que não tinha se manifestado, o rapaz tinha a expressão de uma porta, era indecifrável.
            — E você? Não tem nada pra me dizer? — desafiou Alice.
            — Você é uma feia. — respondeu Absoluto.
            — Eu não sou feia... Só tenho uma beleza diferente...
            — Que bonitinho, eu acredito em você... E você? Acredita em você? — desafiou Absoluto.
            — Se quer mesmo falar com o Gato, precisa fazer jus ao seu nome. É de seu interesse ficar um pouco mais confiante, bonita? — perguntou Demais. O que Alice podia fazer? Queria ser aceita e, portanto, aceitou.
            Fechou os olhos.
            Luzes de gelatina, cheiro de chiclete de morango, pipocas coloridas explodiam. A sala era uma pista de dança. Coelhos dançarinos flutuavam ao som de uma música envolvente.
            Era tudo lindo e ela já se sentia linda também.
            De repente, uma fileira de espelhos surgiu em sua frente. Todos com formatos diferentes e aroma de hortelã. Cada espelho refletia uma nova Alice. Alice linda. Alice magra. Alta. Loira. Negra. Homem... Homem? Seu “Eu” masculino era interessantíssimo. Tinha olhos expressivos e sorriso angelical. Ela já estava apaixonada. Apaixonada e confusa, afinal de contas estava amando seu próprio Eu! Aquilo era se amar? Sim... Ela se amava.
            — EU ME AMO! — gritou uma jornalista louca e hipnotizada, no meio de uma rua movimentada. Quanto tempo estava parada ali, namorando a casa de um artista decadente? Não fazia ideia. Já era a segunda vez no mesmo dia que tinha sonhos lúdicos e esse clichê já a estava preocupando.
            Envergonhada, descontrolada e, até mesmo, um pouco assanhada, correu em direção a casa e tocou a campainha.
          Não foi recebida por coelhinhos extravagantes, mas sim por uma governanta idosa e simpática. A casa também não tinha pipocas, gelatinas ou gatões saindo de espelhos, não que isso significasse ser aquela uma residência normal. Todas as paredes eram estampadas com fotos do antigo cantor. Alice tudo fotografava, tudo tocava, tudo queria.
            A governanta saiu em busca de um café para a visitante, ou seja, uma fanática incontrolável estava sozinha na sala de seu ídolo.
            — Preciso me controlar. — Sentou-se no cafona sofá de couro, cruzou os braços e as pernas. O coração disparava a ponto de sufocá-la. — O que será que tem no lixo do Gato? — Sem nenhum nojo, ou mesmo bom senso, passou a revirar a lata de lixo. — Quanto lenço de papel... Será que o Gato está resfriado? Coitadinho... — E muito animada guardou aquele lenço nojento no bolso do vestido.
            Um alarme disparou.


ÓBVIO QUE CONTINUA

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

CAPÍTULO 3 - FELIZ ANIVERSÁRIO

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

FELIZ ANIVERSÁRIO



"É pique, é pique. É pique, é pique, é pique! É hora, é hora. É hora, é hora, é hora! Rá-tim-bum!": Uma das possíveis origens para este bordão é o ambiente acadêmico da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, cujos estudantes eram convidados para festas de aniversário e utilizavam os seus bordões de costume para animá-las. O bordão é uma colagem de diversos outros bordões usados pelos estudantes, como pic-pic referindo-se a um dos estudantes que mantinha consigo uma tesoura para aparar a barba e o bigode e rá-tim-bum que teria se originado do nome Timbum de um rajá indiano que teria visitado a faculdade.

         — Francamente, preciso ser mais rigoroso na contratação dos funcionários... Alice! — Salgado não era muito mais velho que Alice. A barba por fazer, os cabelos loiros com alguns fios brancos lhe dava certo charme. O fato é que só estava naquela posição por ser filho do patrão, o Salgado Pai. Sabe aquele sujeito que todas flertam a primeira vista, porém depois de conhecer querem distância? Então, era ele!
           — Oi? — Respondeu a Bela Adormecida. Esfregou os olhos, deixando borrar sua maquiagem. Arrumou rapidamente os papéis de sua mesa, e apagou o “sdfalçdsfklfkf~ldsafffffffff...” que havia escrito involuntariamente ao dormir com a cara no teclado do computador.
             — Explique!
            — Salgado! Nossa... Acabei adormecendo...
            — Com a cara no teclado?
            — Anomalia de família. Só consigo dormir assim. Meus pais só dormiam de ponta cabeça, uma loucura! Vovó só pega no sono se alguém lamber seu pé em movimentos lentos e circulares
            — Minha nossa! Esqueci o que vim fazer aqui...
            — Salgado, Salgadinho, precisa se tratar. Vive esquecendo as coisas, amigo. Outro dia veio trabalhar de gravata e sem camisa... Parecia um gogo boy com baixo orçamento.
            — Hoje é terça ou quarta-feira?
            — Sexta-feira...
             — Treze!
            — Sim?
            — Feliz aniversário!
            Que lindo, não lembra o nome completo, mas se recordou do meu aniversário, pensou Alice.
            No rádio, uma mulher de voz irritantemente aguda, anunciava o horóscopo. Tinha certeza que seria um dia péssimo. Seus aniversários não eram felizes, o mais alegre foi no hospital, braços e pernas quebrados, tinham lhe empurrado do brinquedo mais alto do playground, mas pelo menos tinha comida e pessoas lhe dando atenção.
            As últimas palavras da radialista com voz de pata fizeram os pelos da nuca de Alice arrepiar. Ela terminava assim: “Tudo pode melhorar em sua vida, se você completar a sua missão. Ainda hoje você receberá um sinal que será...”. Jamais saberia o sinal, pois Salgado desligou o rádio da tomada, e a olhava como um leão faminto frente a uma lebre suculenta.
            — Tenho um presente. Vai escrever sua primeira matéria de capa! Uma entrevista com algum artista decadente!
            Não brinca! Quem?
            Na mesma hora sentiu um foco de luz iluminar seu corpo e o som de palmas, muitas palmas. Já conseguia se imaginar subindo por uma escada dourada, usando um vestido maravilhoso que deixaria todas as mulheres e gays se cortando de inveja. Receberia um prêmio e por culpa disso apresentaria um programa de televisão. Mães batizariam suas filhas com seu nome, teria sua própria linha de brinquedos e...
            — Alice? — berrou o chefe, e estragou toda a fantasia.
            O entusiasmo de nossa querida Alice Maravilha é porque realizaria o maior sonho de sua vida. Foi escalada para entrevistar um dos ex-integrantes da Flop4, isto é, se continuasse viva até lá. Dez anos se passaram desde que a banda acabou e agora ela poderia rever os olhos azuis do rapaz com quem se imaginava casada, morando numa casa de frente para o mar, com três filhos loirinhos, falando inglês e criando um casal de poodle. Ele era lindo, ele era forte, ele era o sonho de consumo de todas as garotinhas abobalhadas do mundo. Ele era “O Gato”! 

CONTINUA

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CAPÍTULO 2 - A MALDIÇÃO DOS GATINHOS ARTISTAS

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE:

A MALDIÇÃO DOS GATINHOS ARTISTAS



Eluromania: Amor excessivo aos gatos.Pessoas que amam mais aos gatos do que os humanos; não medem esforços para salvar os gatos e alimentá-los.
 Algumas pessoas chegam a alugar imóveis só para ocupação dos gatos.

            — Eu não entendo... — Foi o mais lúcido que Alice conseguiu formular. Como assim a culpa era dela? Não, tudo bem, Alice não era nenhum exemplo de sanidade, possuía um imã para confusão que era surreal, mas desta vez parecia inocente.
            — Estamos nos separando porque você é uma gorda! — acusou o líder da banda.
            — Oi? — Exatamente, OI? Depois de toda aquela loucura o cara diz que a banda está se separando pelo fato de uma fã estar acima do peso. Não vejo sentido nisso.
            Num segundo todos os adolescentes malvados ali presente começaram a gritar em coro: “Gorda, gordinha, gordona”. Alice não sabia onde enfiar a cara. Desejou estar ao lado da magricela para poder se esconder no meio da mata que era o tal cabelo ruivo.
            — Eu não sou gorda! Foi um feitiço... Um feitiço que a velha do gato me jogou... — gritou Alice, e oficialmente a história perdeu todo o sentido. As pessoas olhavam espantadas, a banda parecia ter sido congelada. Até mesmo um passarinho que pretendia fazer suas necessidades na cabeça de Alice, mudou de ideia.
            Todos sentados? Peguem a pipoca, aí vem mais uma história:
            Morava num imundo quartinho de uma velha pensão no subúrbio. Já tinha se convencido que morar sozinha não era nada mágico como iludiam os filmes americanos. Para início de conversa a dona da pensão era uma verdadeira bruxa e chamava-se Dona Gatarina. Isso mesmo, Dona era o primeiro nome, Gatarina o segundo. Obviamente Dona Gatarina tinha paixão por gatos e fedia a fezes felinas. Além do vício por bichanos, a proprietária da pensão tinha outra mania: Televisão! Por isso todos os gatos tinham nomes de celebridades, era Senhorita Hebe pra cá, Dona Glória Maria pra lá, tinha o Senhor Marlon Brando, que ela amava.
            Certa noite Alice voltava mais uma vez de seus encontros às escuras. Tinha bebido uma ou dezessete. Abriu com muita dificuldade a porta e andou fazendo o chão ranger. Por que ela fez isso? Num piscar de olhos começaram a surgir gatos e mais gatos. Vinha da janela, da porta, ela pode jurar que viu um se materializando do nada. Alice detestava gatos. Houve uma época em que achava todos fofos, dava até leitinho, mas a amizade com os felpudos não durou muito tempo, quando uma gata de nome Winona roubou a comida de seu prato. Os felinos caminhavam - e miavam - até Alice. Ela sabia que se Dona Gatarina acordasse, com certeza estaria frita, ou na rua. Os gatos continuavam com o escândalo, pareciam cantar uma mistura de Macarena e Saudosa Maloca. A garota pensou em escapar pela esquerda, mas não tinha nada na esquerda, enfim, ela estava bêbada. Seguiu em frente. Desviou se de um gato gorducho de nome Jô Soares, ignorou o charme que o Senhor Fabio Junior lhe mandava. Estava quase na porta do seu quarto, quando aconteceu um imprevisto. Ela se distraiu com a esquelética e fumante Senhorita Winehouse, e acabou tropeçando na abundante Gata Melancia, que miou em velocidade cinco. Alice tinha perdido o equilíbrio, tentou segurar em algo, mas não tinha nada ali. Ela ia cair. Ela caiu. Um miado agourento tomou conta do recinto. Alice ouviu uma porta se abrir, ao mesmo tempo em que um trovão explodia lá fora. Dona Gatarina tinha acordado. A moça estava estatelada no chão, tinha caído em alguma coisa macia e temia muito saber o que era. Quando Dona Gatarina surgiu, usando sua camisola velha com estampa do Piu Piu, teve um ataque de fúria. Alice encontrava-se em cima de seu gato preferido, um perneta de nome Roberto Carlos.
            Foi naquela noite que recebeu a maldição.
            A partir daquela noite, toda vez que Alice ouvisse uma música de Roberto Carlos, engordaria um quilo, até explodir. Desde então os especiais de fim de ano se tornaram um tormento para a garota...
            A história era bizarra. Todos a olhavam boquiabertos. A Flop4 já não estava mais no palco. Ela ouvia alguém gritar o seu nome insistentemente. Num piscar de olhos os adolescentes desapareceram. A voz continuava a gritar, era uma voz conhecida e possuída por ódio, uma voz masculina. Onde ela estava? Então aquilo era um pesadelo?
            Aquilo era um pesadelo! Alice acordou, suada, os óculos tortos. Seu chefe, o déspota, Salgado Filho, fuzilava com os olhos.

            Desejou dormir novamente. Dormir para sempre.

CONTINUA...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

CAPÍTULO 1 - A CULPA É DA GORDA!

ALICE NO FUNDO DO POÇO

EPISÓDIO DE HOJE: 

A CULPA É DA GORDA!


BALZAQUIANA: Mulher na faixa dos 30 anos. Há quem empregue a palavra balzaquiana de forma pejorativa e até negativa. Mas, na realidade, é com 30 anos que as mulheres chegam ao seu ápice: mais maduras, realistas e vividas, elas esbanjam sensualidade e realização.

          Para início de conversa seu quarto era lilás, mas não pensem vocês que estou falando de um lilás discreto, estou falando do lilás berrante, enjoativo e com cheiro de chiclete. Parte dessa tinta lilás era coberta por pôsteres de inúmeros astros adolescentes e fotografias... Muitas fotografias. Ah, claro, também havia uma estante com os mais diferentes bichinhos de pelúcia, todos delicadamente sentadinhos, separados por tamanho, cor e idade. Todos fofos, fofíssimos.
            Era um típico quarto infantil, qual o problema nisso? Problema nenhum... Se ela FOSSE uma criança!
            Alice tinha trinta e dois anos!
            Alice Maravilha, trinta e dois anos, jornalista, solteira e sem filhos. Altura mediana, acima do peso, voz fina. Ocupa o tempo indo sozinha ao cinema, preferencialmente para ver algum “filme de chorar”. Apesar de ter pouquíssimos amigos, todos virtuais, dizia odiar livro de autoajuda e ria de todas as mulheres frustradas que reclamavam da vida. Alice era uma mulher frustrada, mas nunca reclamava de nada, ou pelo menos nunca exteriorizava seus problemas... Mesmo porque, faria isso pra quem?
            Quando Alice acordou aquela manhã, estava mais feliz que vencedora de Reality Show. Com sua camisola de gosto duvidoso, pulou da cama e correu pela casa cantarolando desafinadamente o sucesso de sua boyband preferida: a Flop4.
            Boyband é como chamamos um grupo de cantores pop. Geralmente todos são lindos e, na maioria das vezes, não cantam tão bem, mas quem se importa?
            Conheceu essa banda quando voltava de um encontro desastroso, na verdade nem podemos caracterizar como encontro quando a pessoa espera, por mais de duas horas, alguém que conheceu pela internet. Alice já estava se afogando nas próprias lágrimas quando começou a ouvir a música que a transformaria. Era a Flop4! Ela limpou o rosto, estufou o peito e tomou a decisão mais importante da vida. Ia aprender a se socializar fora da internet e criar relacionamentos sadios e felizes? Claro que não! Ia se tornar a presidenta de fã-clube. Gastou metade do salário em camisas, pirulitos e, é claro, no ingresso do primeiro grande show ao vivo.  
            Quatro dias passando fome, sede, frio, acampada na porta de um estádio de futebol, entretanto se realizaria. Ficaria frente a frente à Flop4!
            Óbvio que as coisas não aconteceram magicamente como imaginara.
            Assim que os portões se abriram, uma grande onda, praticamente um tsunami de adolescentes histéricas, surgiu derrubando quem estivesse na frente, ou seja, Alice!
            Foi uma verdadeira aventura conseguir um bom lugar, se é que pode se chamar de bom lugar ficar entalada entre um anão oriental e uma magricela de cabelo ruivo e volumoso. Quando a banda surgiu no palco, ela esqueceu tudo e sentiu vontade de gritar, mas não podia, o anão pisou em seu pé e o cabelo da ruiva entrou em sua boca, para piorar tudo, uma desesperadora vontade de fazer xixi, apoderou-se da mulher.
           Queria pular, dançar, e, acima de tudo, ir ao banheiro. Jurou que nunca mais beberia nada antes de sair de casa, juramento esse que sabia que seria em vão, pois água era um importante ingrediente da nova dieta revolucionária que estava seguindo. A dieta do sol: você só pode comer até o sol se pôr, depois disso, só podia ingerir água. O resultado era que agora estava ali se contorcendo, aflita e com ódio de revistas femininas para mulheres gordas.
            Seu conforto era que ninguém a notaria naquele lugar, pois além das luzes malucas e da fumaça colorida, as pessoas preferiam dar atenção a tal da magricela de cabelos rebeldes e ruivos que, naquele instante, arrancara toda a roupa, deixando muito animado o anão de descendência oriental. Um cheiro de desodorante duvidoso tomou o nariz de Alice, estava impossível respirar, nunca esteve numa situação tão desesperadora desde o dia em que pegou seus avós, na cozinha, pelados e cobertos de farinha de rosca, quando tinha oito anos.
            Depois de uma abertura clichê com efeitos pirotécnicos e fumaça, a banda surgiu no palco. Eles voavam com a ajuda de cabos de aço e a multidão gritava ainda mais.
            A banda era formada por quatro integrantes, dois rapazes e duas moças. Cada um vestia um personagem, um estereótipo cuidadosamente criado para gerar identificação junto aos fãs: O Louco, o Gato, a Malvada e a Fofa.
            Enquanto era jogada de um lado para o outro, para cima e para baixo, Alice tentava cantar a música da banda. Descabelada, ainda sorria. A primeira música havia chegado ao fim e ela ainda estava viva. Sorte pra quem?
            Foi neste exato momento que aconteceu o que ninguém esperava: A Flop4 interrompeu o show e anunciou o fim da banda!
            Alice sentiu as pernas tremerem, o coração parecia sair pela boca. Num passe de mágica as pessoas começaram a se afastar, o tsunami adolescente havia se transformado no mar vermelho e começava a se abrir e Alice, no meio, era como se fosse Moisés!
Os integrantes da banda encaravam a garota. A garota encarava os integrantes da banda. As outras pessoas encaravam a garota e os integrantes da banda. Alice nada entendia.
Os quatro membros da Flop4 apontavam para ela. Sentia quatro dedos em sua testa.
            Não! Não podem se separar! Minha vida se resume a vocês! Eu sou feia, gorda, chata, ninguém gosta de mim, mas eu tenho vocês... — berrou Alice, sua voz ecoou em meio à multidão, que começou a vaiar, mas ela não deu de ombros e seguiu decidida em direção ao palco.
            — Será que ela está drogada? — perguntou uma moça.
            — Você disse armada? — perguntou outra.
            — Só se for com uma barra gigante de chocolate.
            Sem saber de onde havia tirado forças, Alice já tinha escalado o palco e se perguntava onde estariam os seguranças. Estava furiosa.
         — Passei mais de uma noite, acampada, só pra ver o show de vocês! Dividi uma barraca laranja com um anão japonês tarado e com uma ruiva excêntrica chamada Cleide. Se vocês acabarem, eu morro! Vocês são a Flop4! Não podem se separar... Vão se tornar cantores solos e fracassados que lançam um disco e depois caem no esquecimento!

           De repente uma melodia lúdica se iniciou. Dançarinos brotaram no palco. Alice nada entendia, mas também não conseguia falar e, mesmo se conseguisse as palavras já não habitavam sua cabeça. Foi rodeada pelos cantores, logo não eram mais um quarteto, se multiplicavam e também mudavam de cor. Unidos eles cantavam, dançavam, sorriam e voltavam a cantar num looping eterno a música de uma só frase: “A culpa é da gorda”.
CONTINUA...

quinta-feira, 24 de julho de 2014

NO PARANÁ...




no Paraná eu tinha um carrinho de rolimã, mas a roda era de madeira. Eu descia a rua com ele, mas depois não tinha forças para levar ele pra casa...

Lá no Paraná eu era a única pessoa da igreja que tinha televisão em casa e praticavam bullying contra mim... Certa vez, quando resolvemos sair em viagem, contratamos um "irmão da igreja" para cuidar de nossa casa. Ele queimou nossa TV de tanto que assistia!

Teve uma vez no Paraná, que teve um evento no colégio e eu cantei uma música de Sandy e Junior e a música falava sobre menino de rua e eu tava vestido como um.

Quando eu estudava no Paraná, minha mochila quase batia no chão, eu era muito pequeno e meu apelido era prego. Também me chamavam de Galinha, pois eu sentava em cima de meus pés, sempre colocavam bolinhas de papel embaixo de minha cadeira.



No Paraná eu tive uma professora que batia em aluno, uma vez ela puxou meu cabelo.

Uma vez no Paraná uma velha bruxa me acusou de entrar na casa dela e roubar 10 garrafas. Ela quase levou uma surra da minha avó.

Quando eu morava no Paraná eu tinha dois cachorros, duas maritacas, uma ratinha, um papagaio e dois gatos, sendo que um tinha o rabo torno e chamava ferrugem, mas minha avó só chamava ele de Yuiu, pois ela não sabia falar, mesmo ela tendo batizado o gato.

Uma vez no Paraná eu subi no telhado para ver uma rachadura, só que a telha não aguentou e eu quase caí no meio da minha cozinha. Passei a semana inteira indo ao colégio pulando num pé só, quebrei o dedo e nem sabia.

Cara, uma vez no colégio, lá no Paraná... Meu grupo passou a semana inteira fazendo uma maquete linda, aí no dia de entregar, ninguém deu atenção a nossa obra de arte.

Eu fiz uma garota desmaiar durante uma feira de ciências, fui mostrar fotos de doenças sexualmente transmissíveis e ela caiu... Isso foi lá no Paraná.

Lá no Paraná eu morava num município tão pequeno, eu era a única criança que tinha uma bicicleta pequena que tinha marcha.

Um dia voltarei no Paraná para me vingar de todos que roubavam minhas canetas no colégio. Mas eu também roubava algumas, então eles devem querer se vingar. Vou ficar por aqui.

Saudades do Paraná...

sexta-feira, 18 de julho de 2014

UMA FOLHA EM BRANCO

Ah se todos pudessem ter as suas folhas em branco.

Acredito que não bastaria apenas uma folha em branco.

Se eu falasse que mudaria tudo, estaria mentindo, pois a vida é repleta de momentos bons e também ruins. Então o que eu faria? Recortaria os bons momentos da minha vida e faria uma colagem com a folha em branco. Os recortes seriam dos momentos de união da família, das coisas engraçadas e das boas notícias.

Os altos gritos de briga, seriam trocados por altos gritos de histeria e risadas.

A saudade seria substituída pela presença.

E o choro seria, apenas, de emoção.

Ah, se todos pudessem ter as suas folhas em branco...

... Talvez o mundo seria um lugar melhor!


Este "texto", ou melhor, este TEXTO (pois é meu e eu dou a importância que me der na telha), foi escrito quando eu tinha 10 anos, acabei de encontrar... Ao lado dele, várias outras folhas, mas estas estavam em branco...

domingo, 2 de fevereiro de 2014

O PRÓLOGO

Prólogo: É um termo usado na literatura designando uma introdução a uma história. E significa na Tragédia Grega, a parte anterior à entrada do coro e da orquestra, e na qual se enuncia o assunto da peça.

Todos os jovens se preocupam com as coisas; é parte natural e inevitável de crescer. Tudo bem, não sou mais tão jovem assim, por mais que ainda pipoquem espinhas e que o dente do siso goste de dar esporádico bom dia, os cabelos brancos continuam a brotar e me assustar, afinal, tenho menos de trinta anos e já localizei fios grisalhos na barba, barba essa que sempre jurei de pés juntos que jamais teria, porém a gente cresce e as coisas mudam.

Mas, como uma importante amiga costumava dizer, o crucial da vida são as oportunidades que ela traz, as portas que ela abre e isso é verdade! Porque, sem isso, o conhecimento em si é um beco sem saída. Precisei ser reprovado no primeiro exame vestibular para tomar coragem e inciar meus estudos de teatro. No teatro conheci pessoas incríveis e tive experiências mais gostosas que chocolates ou sorvetes caros. Foi ali que pude compartilhar, pela primeira vez, um texto escrito por mim e foi libertador. É libertador. Tenho orgulho de dizer que em absolutamente TODOS núcleos teatrais em que estive inserido, pude compartilhar algum texto escrito por mim, ou seja, cada um deles guarda, não um pensamento, mas um pedaço meu. Inclusive começo acreditar que em um dado momento da minha vida começarei a diminuir - ainda mais - de tamanho devido ao excesso de pedaços meus que compartilho por aí, mas diferente do que aprendemos em física (provavelmente estou falando bobagem), mesmo que distribua todos esses pedaços, eu não desapareceria, apenas me multiplicaria, mas acho que estou viajando...

Eu nem tinha completado quatorze anos quando terminei meu primeiro livro - tá não dá pra chamar de livro um texto com escrita pobre e erros grosseiros de português, no entanto ele foi importante pra mim e eu quero chamar de livro -, assim que escrevi "FIM" liguei para uma editora para saber como prosseguir, me orientaram a mandar o texto. Nunca mandei, mas melhorei a historia, criei personagens, tramas, uma trilogia, contudo nunca a terminei por definitivo. O que não significa que não tenha tentado. Até hoje nas noites de insônia, ao revirar para todos os lados da cama, me pego pensando no que fazer com a história. No fim das contas você acaba concluindo que é melhor deixá-la lá, que ainda não chegou a hora dela. Bem, isso foi há muito, muito tempo. Em dez anos muita coisa mudou, muitos livros foram lidos, ou seja, muitos pedaços de autores alheios foram dados a mim.

Conforme você vai ficando mais velho, as preocupações vão se reproduzindo, como Gremlins malucos e diabólicos. Uma hora você está procurando um site que te ensine a capturar todos os pokémon (não errei, pokémon não tem plural), e no minuto seguinte está procurando um site que te indique vagas de emprego, pois você encontrou o amor da sua vida e possui planos de casar, ter filhos e gatos que terão nome de gente. Bem, eu continuo procurando uma forma de conseguir todos os pokémon, mas também quero sair da casa dos meus pais, construir uma vida e me tornar um daqueles adultos maduros e interessantes dos filmes de comédia romântica. 

Cresci ouvindo a típica frase de efeito que "é impossível viver de arte no país do futebol", uma frase de efeito com duas mentiras: 1 - Sim, é possível viver de arte, é difícil, você pode passar fome, ter que se prostituir ou vender um rim, mas sobreviverá. 2 - Por mais que eu não goste, futebol também é arte. Na faculdade eu cursei Letras, quando meu sonho era fazer jornalismo ou Artes Cênicas. Foi uma graduação conturbada, troquei o inglês pela literatura, depois troquei a faculdade pelo teatro. Lembro de ter tirado um peso das costas quando me vi formado, mas o que aconteceria após isso? Existe coisa mais assustadora que expectativas? Ao mesmo tempo em que me via livre para estudar algo de meu interesse, a ideia entrava em conflito com a vontade de sair de casa e... me casar. Um libriano não pode ter conflitos! As decisões são o nosso fraco, conseguem nos derrubar mais que cachaça. Fiquei em estado vegetativo por um período interminável, procurando por empregos imbecis, usava a desculpa ilusória que eles me proporcionariam tempo e dinheiro para fazer minhas "atividades teatrais". O resultado disso tudo era um adulto frustrado e com a autoestima destruída, já que trabalhar com o que não gosta te transforma numa porcaria de profissional.

Bem, meu próximo passo será me dedicar exclusivamente a algo que faça com que me sinta importante, indispensável e, perdoem os mais pudicos, necessito priorizar algo que faça com que me sinta FODA! Ainda não estou, na verdade, onde gostaria de estar, mas já tenho certeza de onde gostaria de estar, o que pode parecer pouca coisa, mas não poderia ser possível meses atrás. Então tudo bem.

Tudo muito bem, mesmo. 

Todos os jovens se preocupam com as coisas; é parte natural e inevitável de crescer. Tudo bem, não sou mais tão jovem assim, por mais que ainda pipoquem espinhas e que o dente do siso goste de dar esporádico bom dia, os cabelos brancos continuam a brotar e me assustar, afinal, tenho menos de trinta anos e já localizei fios grisalhos na barba, barba essa que sempre jurei de pés juntos que jamais teria, porém a gente cresce e as coisas mudam. Quando dei adeus à barba, me senti mais garoto e é bem possível que, antes dos trinta, passe a usar aparelho dental, isso me deixaria com, no máximo, 22 anos. Mas já tenho quase 30 e gosto de pensar que estou muito mais maduro e indiferente em relação a essas coisas.

"Este poderia ser o primeiro dia de minha vida"