segunda-feira, 4 de abril de 2011

COTIDIANO


Era uma vez uma velha e ordinária cadeira branca de plástico. Por mais vagabunda que fosse, ainda assim, não era uma peça normal. Dias, tardes, noites, em qualquer estação do ano, lá estava a cadeira presenciando as mais variadas cenas e recebendo os mais variados traseiros, pesos e odores constrangedores. Se ela fosse gente, possivelmente estaria aposentada... Se ela fosse gente, possivelmente seria Claudia, a anciã que inseparavelmente lhe faz companhia.

Gêmeas, cadeira e Claudia sempre tiveram uma relação pitoresca. Claudia é velha, ordinária, possui ossos frágeis como plástico, contudo não é branca. Com a pele negra, intensa, Claudia prova, fechando a cara e erguendo a sobrancelha, que ela e a cadeira não são gêmeas indenticas.

Detestava as pessoas, no entanto sentia um prazer, quase um orgasmo múltiplo (mesmo sem saber o que é) em alimentar as aves, suas coleguinhas das manhãs ensolaradas. É fato que não dá pra chamar de aves aquelas duas duzias de pombos, imundos, famintos e terroristas apocalípticos.

Os pombos atacavam os ciclistas, perseguiam as crianças e guerreavam entre si. Toda vizinhança tinha medo dos voadores. A velha Claudia tinha medo dos voadores. Eu me urino de medo dos voadores!

Além de sentar em cadeiras e alimentar monstros alados, Claudia, nossa ordinária anciã, negra e de ossos plásticos, possuía outro passatempo: Praticava o jornalismo informal e gratuito. Quando, quem e onde, eram detalhes invisíveis para sua costumeira fofoquinha. Certa vez causou comoção de toda uma população, ao narrar, com seus beiços carnudos e voz asmática, sobre um casal que tomou veneno deixando uma criança órfã... Dias depois descobriram que Claudia falava do inédito filme "A Lagoa Azul".

Todos os dias, tardes e noites, a velha Claudia continua servindo de cenário para aquela boa vizinhança. Ainda posso ver, da minha janela, sua figura decrepita, como uma estátua, um ponto turístico. Nunca fui ao Cristo, mas posso dizer que já vi a doce senhora que alimenta pombos, conta histórias e esquenta uma velha cadeira branca... De plástico...

Ei, vocês, tais leitores
A brincadeira é a seguinte:
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Detestou (aff), me mande sentar com Claudia.

A opinião de vocês é importante!